O termo Queer foi usado, durante muitos anos, de forma pejorativa para se referir a minorias sexuais e de gênero. Partindo de uma tradução literal – peculiar, estranho -, englobava em seu espectro todos aqueles que não se enquadravam em um padrão imposto pela sociedade. Foi no final dos anos 80 que ativistas tomaram posse do termo de forma política, para exigir respeito, direitos e reconhecimento de uma cultura que rompia com a normatividade heterossexual e com o estereótipo homossexual conhecido.
O viés político do queer, por conseguinte, tem desdobramentos artísticos, seja na moda, no cinema, na fotografia e em diversas linguagens. Entendendo a amplitude criativa que o queer abrange, o Centro Cultural Vale Maranhão apresenta a nova edição do programa Território Corpo, com a cultura Queer como temática, trazendo para os espaços da instituição uma programação com artistas maranhenses e de outros estados brasileiros.
De 8 a 19 de novembro de 2022, o CCVM será ocupado por oficinas, um curso sobre a origem do queer, desfile, debates, shows, performances e um baile no estilo ball room. Escolhemos o queer como tema para que possamos pensá-lo enquanto o amplo arco que rege um tipo de comportamento, de estética, de ocupação do espaço público, imbuído de uma orientação sexual e de identidades de gênero ditas como dissidentes. Além disso, é necessário resgatarmos a origem do queer no pensamento popular, enquanto produção de classes baixas, marginais e urbanas, que propõem uma forma de contrapor o que está dado, conta Gabriel Gutierrez, diretor do Centro Cultural Vale Maranhão e que assina a curadoria do Território Corpo ao lado de Deyla Rabelo, Calu Zabel e Ubiratã Trindade.
Confira a programação:
Abrindo a programação do Território Corpo QUEER, a artista e estilista Vicenta Perrotta convida todas as pessoas ditas como dissidentes, sejam elas negras, trans, gordas, indígenas, periféricas, pessoas com deficiência, artesãs, costureiras, artistas ou aventureiras da costura, para participarem juntas da Oficina Transmutação Têxtil.
Serão 4 encontros onde será desenvolvido um processo artístico baseado nas tecnologias sociais construídas por pessoas Trans – como a Pedagogia do Lixo, a Ressignificação de Consumo e a Transmutação Têxtil -, que por meio de técnicas de costura, estimulam uma consciência de que o consumo também é um mecanismo de construção de estereótipos.
Elas estão de volta ao CCVM. Enme, Fuega, Butantan e Frimes se reúnem novamente para apresentar o show QUEER. O projeto reúne as 4 artistas maranhenses que ganharam destaque em 2017 após o lançamento de suas músicas nas redes de streaming.
O show exalta a arte sem distinção de cor, raça, gênero ou orientação sexual, para romper barreiras no meio musical e promover o protagonismo para personagens outrora marginalizados pela mídia. Sucessos como Boy, Sarrar, Fadinha, Close Errado, mais músicas autorais e canções de um mix de artistas que se identificam com o movimento queer estarão no setlist.
Mulundus é uma performance poética de PP Poeta Marginal que narra a história de São Raimundo Nonato dos Mulundus, padroeiro do município de Vargem Grande (MA). Entre as folhas de carnaúba, a performance resgata a diáspora africana, sucessivamente apagada pela história eurocêntrica, e traz em sua linguagem os atravessamentos sociais e históricos do povo preto nordestino. PP transcende o olhar do público para um corpo trans, que em cena se torna o corpo de um santo preto e vaqueiro.
Pavão Misterioso é uma coprodução Brasil e México – entre a Cia. Dual e o diretor mexicano Luis Rubio –, inspirada no “Romance do Pavão Misterioso”, um dos textos mais famosos da literatura de cordel. O trabalho mistura dança e bonecos animados a partir da história publicada no cordel em 1923: o personagem, Evangelista, pretende resgatar uma condessa, Creuza – considerada a mulher mais linda do mundo –, que vivia presa em um sobrado. Para isso, Evangelista constrói um pavão voador, consegue libertá-la e os dois voam para longe. Neste filme, entretanto, o romance de cordel é confrontado e o plano de Evangelista não corre como o planejado.
A conversa aberta A roupa – subversão queer e a moda no Brasil reunirá Vicenta Perrotta e Erika Palomino para debater a moda brasileira a partir das bases queer – conectadas ao popular, ao urbano e ao marginal -, abordando a criação de roupas enquanto dispositivo de renovação cultural e suspensão dos costumes.
Uma das programações de maior sucesso do Território Corpo RUA retorna no Território Corpo QUEER: Vogue Class!
O bailarino David Blyndex e o artista performer e modelo Negroni Blyndex voltam ao CCVM para uma tarde de conhecimento, expressão corporal e dança voguing da cultura Ballroom, que nasceu nos Estados Unidos nos anos 60. Aguardamos todos os apaixonados por voguing que quiserem aperfeiçoar seus movimentos para brilhar nos balls da cidade!
Corparte, de Nebraska Diamond, enaltece o corpo não-binário em todas as suas possibilidades artísticas. Um documentário sobre como se dá a existência e resistência desses corpos em São Luís será seguido de uma performance de dança e dublagem de Nebraska, levando para a cena um processo de transformação e purificação.
Alma Negrot interpretará Androginismo, canção composta por Kleiton e Kledir Ramil nos anos 70, que conta poeticamente a história de um rapaz que se travestia de maneira anárquica. Em 2021, a canção compõe o repertório do espetáculo audiovisual “Metamorfoses”, de Filipe Catto com participações de Alma Negrot, Maria Alcina e Ciro Barcelos. O espetáculo tem como inspiração a exposição fotográfica de Madalena Schwartz que retrata o cenário queer dos anos 70 e 80 no Brasil.
Vyper reunirá Hera Vyper e Baby Vyper, membros da House of Vyper, a primeira house de vogue do Maranhão, que se dispõem a romper o tempo cotidiano com performances que utilizam o corpo como manifesto, em meio à rotina de uma sociedade cisgênero que invisibiliza e elimina os corpos dissidentes. A performance traz a ideia de uma nanotecnologia trans e travesti, que trata de maneiras de existir e se fazer perceber.
Doçura, loucura! Entre o ácido e o cômico, o cítrico e o adocicado, acontece o corpo, a dança, a presença e a performance da garota-fruta mais esquizofrênica! Glamour Garcia traz Lokomia para o palco do Território Corpo Queer. Uma dança-ritual com sabor de tutti-frutti.
Uma das novidades desse ano no Território Corpo é o curso sobre o Cinema Queer, ministrado pela cientista social e doutora em cinema Marina Costin. O curso abrange os novos arranjos e composições estéticas que dão visibilidade a sujeitos que estavam fora do espaço filmíco – pessoas fora do padrão heteronormativo, que interseccionam com outros crivos, como raça, etnia, gênero e orientação sexual. Em cada aula haverá um filme e leituras de textos-base que instigarão discussões entre os participantes em torno de questões como epistemologias do corpo e produção de subjetividades.
A oficina tem como objetivo apurar o olhar de forma sensível para o corpo e suas infinitas possibilidades de devires através da maquiagem criativa. Materiais rejeitados como sucata, papel, linhas, botões, rendas e bilros são utilizados. Na Imersão, construiremos um laboratório poético onde experimentamos mudar o valor das coisas para reconstituir os corpos através de histórias
É um lugar para afirmar o corpo como um campo de batalha, resgatar memórias e amuletos que nos conectam às nossas identidades marginais.
O momento colocará em perspectiva o corpo queer enquanto indivíduo criativo, trazendo para o debate desafios, vivências e estudos dos participantes a partir das suas experiências nas artes cênicas.
Ronaldo Serruya, ator e dramatugo do grupo XIX de Teatro, apresentará a peça-manifesto A doença do outro, que propõe um formato de palestra-performance, partindo de conceitos extraídos do feminismo negro e da teoria queer para aproximá-los da ideia de “outro” que perpassa os corpos positivos e os friccionando com relatos autobiográficos do autor e perfomer, que vive com HIV desde 2014.
A atriz Renata Carvalho apresentará Manifesto Transpofágico, onde se veste de seu corpo travesti para narrar a historicidade de sua corporeidade. O espetáculo acontecerá no Teatro Arthur Azevedo, com retirada de ingressos com 2 horas de antecedência na bilheteria.
Classificação indicativa: 18 anos
Encerrando o Território Corpo Queer, o Afroball reunirá música, dança, desfile e disputa de títulos de voguing.
As categorias serão: Vogue Performance, Vogue Beginners, Runway with Best Dressed e Femme Queen Perfect 10’s
O evento é uma tradição queer nascida nos subúrbios americanos nos anos 60, como uma forma de reunião, protesto e pertencimento da comunidade LGBTQPIA+ preta e latina nos Estados Unidos.