EXPOSIÇÃO ANCER

30 junho a 20 agosto 2017

ancer

claudio costa

Ancer reúne três momentos do trabalho do artista maranhense Claudio Costa.

Por volta do ano 2000, Claudio partiu em busca de uma vivência mais profunda das paisagens e das assombrações do norte do Maranhão. Traçou rotas e por mais de quinze anos investigou poeticamente a região.

Passou por lugares onde a paisagem humana é tão forte e impactante quanto a paisagem natural.

As imensidões, a abundância das águas, o extenso, diverso e misterioso mangue, o povo da areia com seus conhecimentos, sua lida com a natureza, suas mitologias, sua visão de mundo. Esse universo peculiar foi disparando os processos de experimentação e criação artística, foi instigando, desafiando, apresentando temas.

Começava, ao mesmo tempo, uma investigação de técnicas e materialidades que fossem capazes de traduzir com propriedade e força o que estava sendo captado pelo artista.

Muitas vezes o que encontra é mais forte do que aquilo que inicialmente buscava.

Arcabouços trata da paisagem, do contexto natural, do palco em que a vida se desenrola.

Bestiário é resultado de um mergulho nas mitologias regionais, onde o artista apresenta sua leitura de homens que viram bicho e dos relatos que ouviu sobre seres estranhos e isolados, que representam maneiras de lidar com aspectos não aceitos da realidade, com os medos que ela produz.

Nódoa, realizado algum tempo depois, fala das marcas da trajetória de um indivíduo. Marcas fortes ou frágeis, dramáticas ou suaves, belas ou pesadas, como as que estão nos tecidos expostos em forma de pequenos labirintos, como labiríntica e cheia de marcas é a trajetória de cada um.

O tingimento é a técnica predominante, um elo de ligação entre trabalhos realizados em momentos diferentes.

As cascas das árvores do mangue, o sarnambi e o caju, cujas tinturas são tradicionalmente utilizadas pelos moradores em suas velas, suas roupas, seus utensílios, suas casas deram origem a um prolongado período de experimentação. Diferentes processos, saturações e suportes foram sendo trabalhados.

O artista encontrou preservado nos terreiros o conhecimento sobre o uso das tinturas naturais, uma ampla diversidade de técnicas e finalidades, que estão desaparecendo. Para cada tintura uma utilidade, que vai do remédio à produção de um verniz impermeabilizante usado nas velas das embarcações ou no piso e nas paredes das casas.

O tingimento para borrar a roupa do dia-a-dia na lavoura e se camuflar na natureza, mesclar-se na paisagem, não causar ruído.

A tinta escura de uma casca do mangue tingindo toda a roupa que se tem quando há uma perda na família. E a percepção de que, assim como a tintura vai soltando do tecido, esmaecendo com o tempo, o luto pouco a pouco vai saindo de nós. Nunca sai completamente, mas se suaviza.

A forte carga poética da tintura como uma prática tradicional, presente em diversas dimensões da vida, vai surgindo na observação dos trabalhos do artista.

Os processos aprendidos em sua longa imersão, as histórias que ouviu vão apontando para a riqueza dessa paisagem e suas sabedorias.

As obras nos falam das marcas da vida, assim como do conhecimento, das percepções, dos medos e da visão de mundo de quem vive em meio à exuberância e à imponência da paisagem. Falam de uma ancestralidade, de uma bagagem que se carrega. Uma ancestralidade ora coletiva, ora pessoal.

A arte sempre suscita percepções diversas, reações distintas. O que o artista trouxe para o seu trabalho pode ser entendido de muitas maneiras, pode ser apenas sentido sem qualquer explicação, pode ser apenas apreciado em sua beleza, em sua dramaticidade ou em sua crueza.

Paula Porta
curadora
São Luís, junho 2017